Reflexões sobre o retorno às atividades de ensino remoto durante o período de isolamento devido à COVID-19
Para quem não me conhece, sou professor na UTFPR Curitiba, mas de forma alguma este texto representa a opinião da instituição ou de qualquer órgão interno ou externo ao qual estou vinculado. Trata-se, portanto, de uma opinião pessoal. São reflexões e percepções que fui construindo com o passar das últimas semanas, em várias leituras e conversas durante o período de isolamento contra a COVID-19, sobre a possibilidade de retorno com as aulas na modalidade remota em nossas universidades públicas. É possível que eu não contemple todas as nuances do problema, mas precisamos discuti-lo. Observo ainda que não há um certo ou errado na situação em que vivemos, então sugiro que exercitemos a empatia acima de tudo.
Tenho plena consciência de que a minha experiência com ensino é limitada, pois exerço a profissão há apenas 3 anos. No início da suspensão das atividades presenciais, achei muito fácil me adaptar ao ensino remoto (que por vezes chamei erroneamente de ensino à distância, que se trata de um conceito diferente), mas senti que nem todos os alunos tinham as mesmas condições para acompanhamento dessa modalidade de ensino e, como docente, temi que aquilo poderia prejudicar o aprendizado da turma.
Já como coordenador de curso, ouvi relatos espontâneos de alunos que estavam preocupados com dois principais aspectos:
- Acadêmicos: a sobrecarga de atividades passadas por professores e o uso de plataformas muito variadas para as aulas estavam os deixando cansados e ansiosos;
- Psicológicos: o peso da incerteza financeira, principalmente, foi um grande impeditivo para ter condições mentais de assistir aulas online.
Passado o tempo e tendo acesso a pesquisas realizadas com alunos e professores tanto da UTFPR quanto de outras instituições, percebi que o padrão se repetia em outros cursos. Tudo isso foi deixando ainda mais evidente a complexidade da decisão sobre como prosseguir com as atividades. Então, na minha reflexão mais recente, cheguei a três pontos que considero muito relevantes para consideração:
- É natural que, como docentes, queiramos continuar fornecendo nossas aulas. Entretanto, sou completamente contra o discurso de que "estamos parados". A universidade é composta por muitas outras atividades que podem e devem ser realizadas neste momento, como Pesquisa e Extensão;
- Com a continuidade do semestre letivo de forma remota, estaremos automaticamente excluindo muitos de nossos alunos, o que não deveria ocorrer sob hipótese alguma;
- Vários professores e alunos estão parcial ou integralmente dedicados a projetos contra a COVID-19 e eles acabariam sendo prejudicados com um retorno às atividades de aula.
Portanto, ao meu ver, uma proposta inclusiva e viável seria a oferta de um semestre suplementar com cursos na modalidade remota (ou, neste caso, até mesmo EAD). Com ele, alguns fatores deveriam ser contemplados:
- Manter as atividades de aula do semestre 2020/1 suspensas por tempo indeterminado, até mesmo as atividades remotas: é como se o semestre fosse "congelado" até que possamos retornar às atividades presenciais. As vantagens com essa ação são: a) não há necessidade de sobrecarregar os alunos com a decisão do cancelamento ou trancamento de disciplinas; b) haveria a garantia das matrículas já efetuadas quando o retorno presencial for seguro; c) não teremos disciplinas inviabilizadas por dependerem de atividades práticas incompatíveis com o ensino remoto.
- Permitir que os docentes ofereçam cursos virtuais às comunidades interna e externa de forma similar à Extensão: os docentes poderão abordar tópicos que tenham viabilidade na modalidade remota (por exemplo, disciplinas inteiras, tópicos selecionados dentro das disciplinas que já leciona, aulas de instrumentos musicais, meditação, minicursos, palestras etc.). Estas atividades seriam pensadas de forma remota ou EAD desde o início, haveria um período de inscrições (com número limitado ou não de vagas) e seriam ofertadas para quem quiser cursar e tiver condições (priorizando comunidade interna e, logo após, oportunizando inscrições da comunidade externa, por exemplo). As vantagens com essa ação são: a) o aluno que não tem condições (tecnológicas ou psicológicas) de estudar durante este período, não se sentirá pressionado e nem prejudicado; b) já o aluno que busca se ocupar com atividades de aula, poderá aprender algo novo e obter alguns certificados de participação para incrementar seu currículo; c) este aluno que fizer os cursos, poderá solicitar exames de suficiência no futuro e validar disciplinas regulares do seu curso; d) os professores terão a opção de realizar ensino, pesquisa e extensão, usando meios alternativos, não apenas aos nossos alunos, mas também à comunidade.
- Garantir que os professores e alunos envolvidos com projetos ligados à COVID-19 mantenham-se 100% dedicados a essas atividades: precisamos muito do trabalho destes profissionais, então por quê obrigá-los a voltarem para a sala de aula "virtual".
- Buscar soluções para os alunos que não têm condições tecnológicas de aproveitar o semestre suplementar: obviamente, é nosso papel como universidade buscar soluções para incluir todos os alunos que tiverem condições psicológicas, mas que carecem de meios tecnológicos para assistir às aulas. Entendo que aqueles que passam por situações de vulnerabilidade psicológica talvez não devam se envolver em atividades de ensino neste momento, mas certamente essa decisão deve ser tomada por profissionais com competência para tal.
Estas foram algumas reflexões que fiz nas últimas semanas. De forma alguma acredito que esta minha proposta seja a mais adequada, até porque a minha experiência com ensino ainda é muitíssimo limitada e eu não estou propondo uma solução global. Independentemente do que se decida fazer nos próximos tempos, me preocupa fortemente a situação dos mais vulneráveis neste momento caótico que vivemos. Precisamos colocá-los como prioridade nas nossas discussões.
Abro a palavra para quem quiser contribuir.
Fique em casa se puder e se cuide!
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Oi Daniel. Bem boas as suas reflexões. Acredito q vc tenha tocado todos os pontos mais importantes. Vc fala várias vezes da sua pouca experiência mas eu vejo como vantagem. Qdo temos muitos anos de magistério, infelizmente desenvolvemos hábitos e preconceitos q só nos impedem de ver as mudanças. Então, sangue novo é bem importante. Se formos pelas pesquisas recentes, vamos decidir pela maioria e pronto? A metáfora mais legal q vi até agora foi do Prof. Merkle dizendo q qdo vamos descer um rio de bote os mais experientes vão nas pontas e os menos ou mais inseguros vão no meio, mas ninguém fica de fora.
ResponderExcluirProfessor Daniel
ResponderExcluirMuito boias suas reflexões.
Penso que temos que pensar nos alunos e na continuidade da educação.
Como instituição e como professores devemos procurar formas de achar soluções
que viabilizem isto.
Existem múltiplos interesses que precisam ser pesados.
De qualquer forma, penso que os alunos que puderem deveriam ter oportunidade de continuarem seus estudos de forma remota e terem validados seus esforços.
Como?
Vamos debater em nossos departamentos.
Um abraço
ótimas reflexões, Daniel. Assim como a realidade dos alunos, a realidades das universidades são distintas, mas toda discussão é necessária e bem-vinda. Achei pontos muito bem colocados e uma reflexão muito interessante. Parabéns pelo seu trabalho.
ResponderExcluirInteressantes suas ideias. Talvez, no caso de retomarmos o semestre ao menos nas disciplinas que os professores julgam ser possível desenvolver em um formato não presencial, a sua ideia possa contribuir para que professores que dependem de laboratórios específicos, que não podem ser replicados virtualmente, tenham condições de oferecer cursos que se ajustem aos meios e tecnologias ora disponíveis. Acredito que uma medida que pode reduzir o nível de stress daqueles que não têm condições de voltar às atividades de estudo nesse momento é permitir que possam trancar matrícula nas disciplinas que acreditarem que não vão conseguir acompanhar.
ResponderExcluirBons pontos, professor. Pode ser uma oportunidade para aprendizagem verdadeira, digo, não apenas focada na nota, mas no resultado. Ao ver o teu site, por exemplo, eu pensei "deve ser massa ter um site" haha. Abraço
ResponderExcluirProfessor Daniel, parabéns pelo texto. Você colocou nesse no texto, de forma clara e direta, questões relevantes, que eu, por vezes questionei, mas não saberia me expressar.
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